Jack-O-Mania II

Jack-O-Mania é a coluna periódica (semanal, quinzenal, quem sabe?) onde Jack conta suas opiniões sobre assuntos atuais e históricos do mundo do Wrestling. Teoricamente é postada as quintas, mas nem tudo sai como o planejado, não é? O assunto de hoje é "ECW: Passado, Presente e Futuro".


Em uma época onde duas grandes federações brigavam pelo mainstream, uma federação independente conquistava fãs e se tornava lenda: a ECW. Assim como a maioria por aqui (ou quase todos), não pude acompanhar a ECW ao vivo nos seus dias de glória. O motivo é simples: Ela nunca passou no Brasil e entre 1996 e 2001, não era tão fácil acompanhar via internet (épocas de internet discada, demorava-se quase um mês para conseguir baixar um show completo), todavia na atualidade, além do vasto material na internet, existem os DVDs que nos contam cada parte das histórias que narrarei por aqui.

Anteriormente chamada de Eastern Championship Wrestling, devido ao fato de ser localizada na Philadelphia (Leste do Estados Unidos), quando comprada pelo Paul Heyman se tornou Extreme Championship Wrestling. As regras de combate eram completamente diferentes por lá. Pinfall ou submissão? Sim. Porém cadeiras, escadas e mesas não eram elementos de lutas especiais. Era coisa do dia-a-dia. Além disso, o ringue não era um limitador de regras. A contagem podia ser aberta em qualquer lugar e não existia desqualificação por contagem. Some isso ao fato dela ter alguns dos wrestlers mais loucos de todos os tempos (Sabu, The Sandman, Tommy Dreamer e Mick Foley), e você terá a razão do fenômeno da ECW.

A ECW não era sobre grandes storylines, nem grande marketing. ECW era sobre paixão. Assistir um show da ECW é perceber que o público presente não está lá somente para ouvir, mas para se tornar parte do show. “ECW! ECW! ECW!” era o canto da torcida, que não cessava em louvar a federação que os atraía. “Holy shit! Holy shit!” (“santa mer*&!” em português) era a exclamação dos fãs a cada movimento inacreditável dos lutadores. Fãs fiéis lotavam cada arena e faziam da ECW partia de uma cultura alternativa que não parava de crescer. A relação com o público da ECW era tão grande, que me lembro de uma luta de Mick Foley e Terry Funk, onde Public Enemy interferiu e pediu para os fãs uma cadeira. O problema é que todos resolveram atirar suas cadeiras no ringue, formando uma verdadeira montanha. O mesmo Public Enemy, teve uma idéia de chamar os fãs ao ringue para comemorar o título. Resultado: o número de fãs em cima do ringue, pulando sem parar, foi tão grande que o ringue desabou. Por último, vale lembrar de uma modalidade de combate extremo exclusivo da ECW: A “Bring your weapons match” (Combate “Traga as suas armas”). Nessa noite, cada fã poderia trazer uma arma de casa, e essa arma poderia ser utilizada no combate pelos lutadores (ou não). Momentos interessantes surgiram com consoles de videogame (NES) sendo usado como armas, e cadeiras com os dizeres “Eu vou ser usado hoje!” parando diretamente na cabeça de um wrestler afortunado. Até mesmo aparelhos de vídeo-cassete já foram usados por lá. Olhar o público na ECW era ver jovens maiores de 18 anos bebendo cerveja e gritando como se estivessem no coliseu na Roma antiga, assistindo os gladiadores retirando suas próprias vidas.

Tanto rebuliço chamou a atenção dos grandes. Em alguns shows da WWF (atual WWE), os fãs gritavam “ECW!ECW!ECW!” e indicavam que a federação independente havia conquistado de verdade seus fãs. Gritos cantados até hoje nos estádios (como “You can’t wrestle”, “same old shit”) nasceram na ECW e Vince, por detrás dos panos, resolveu ajudar com algum dinheiro a ECW. Por outro lado, temos Eric Bischoff, que também ouviu os cantos de “ECW! ECW! ECW!” em suas arenas, mas tomou um outro rumo, que voltaremos a falar mais tarde.

ECW protagonizou momentos inesquecíveis. The Sandman, com sua barriga de cerveja, entrava no ringue bebendo e esmagando as latas na própria testa, sangrando já mesmo antes da luta começar. The Sandman carregava consigo uma Singapore Cane, em alusão a um americano que foi morto em Singapura a pauladas por roubar algumas lojas (acredito que aqui o Singapore Cane foi apresentado ao Wrestling). Tommy Dreamer era novo na casa, e não agradava aos fãs, mas naquela noite ele enfrentaria The Sandman, que já era uma lenda viva. ECW é feito de regras extremas, por isso, quem perdesse a luta receberia 10 pauladas com a Singapore Cane e Dreamer perdeu. Na hora das pauladas, a valet The Sandman dizia a Dreamer “se você beijar meus pés, a dor acaba”, e a dor realmente existia. Para The Sandman, não existia essa de bater mais fraco, cada paulada, era sempre com a maior força possível.1,2,3,4...10. 10 Pauladas nas costas. Dreamer se aproxima do Microfone e pede MAIS. O público vai a loucura, e se você se pergunta porque Dreamer ama a ECW e é um ícone até hoje (mesmo sendo um jobber convicto na atualidade) é porque na ECW ninguém se torna lenda porque foi “bookado” para isso. Na ECW, se tornava lenda quem dava o sangue, suor, um pouco da própria carne para saciar os fãs famintos. Foi assim com Sabu, The Sandman, Dreamer, Dudley Boyz e outros.

Eric Bischoff realmente ouviu o barulho da ECW e resolver agir da maneira “WCW” de ser. Oferecer grana para os principais nomes da ECW, de forma que Paul Heyman não conseguisse segura-los. Bischoff era sujo, e tentava sempre pegar os campeões. A ECW não resistiu e abriu falência, morrendo assim a federação independente de maior sucesso na história do Wrestling.

O ano era 2005. Rob Van Dam, outro lendário lutador que veio da ECW, trabalhava para a WWE. Nessa altura, WCW já havia sido comprada e Eric Bischoff se reduziu a empregado de Mr McMahon, como GM do RAW. RVD pediu a Vince a realização de um sonho: um último dia de ECW. Rob Van Dam queria reunir os fãs da ECW mais uma vez, entrar no ringue com os lutadores que nem tinham mais contrato com a WWE, e que naquela noite tudo fosse como antes, na maneira ECW de ser. Vince aceitou a idéia, e naquela noite nascia o ECW One Night Stand, o PPV que traria a ECW a vida por uma noite. Naquela noite extrema, raladores de queijo seriam usados na testa dos lutadores, muita cerveja seria tragada por fãs e atletas.

Com o tempo, o One Night Stand se tornou mais um PPV comum e qualquer um que viu algo da ECW no auge, sabe que ele não é extremo, apesar das regras serem consideradas extremas. A ECW voltou a vida pelas mãos de Vince McMahon, mas nunca mais foi o fenômeno de antes e isso deixa muitos contrariados, porém, após muito meditar sobre o assunto, consigo entender que a ECW não pode mais existir como antes.

Os tempos mudaram, os Guns’n Roses não são mais a banda mais legal do planeta, o Rock’n Rio agora é em Lisboa, Madrid, São Paulo menos no próprio Rio e o Fluminense está nas finais da Libertadores da América. Se nos anos 90, o mundo era liberal o suficiente para conceber e coexistir com uma ECW sangrenta e violenta, o mundo atual é contido e restrito o suficiente para proibir que a WWE, onde os ataques são mais aeróbicos do que concussivos, seja proibida de passar antes das 22h no Brasil. Imaginem a ECW? Manter uma ECW como na forma do passado, é restringir o público alvo a pessoas de 18-36 anos, limitando o principal público do Wrestling atual: as crianças. Manter uma ECW Extrema, é arcar com os custos de manter os lutadores em pé para o show da semana que vem, é agüentar os processos movidos pelo ministério público, é por em risco muita coisa, recebendo pouca em troca. Manter uma ECW é agüentar os escândalos e processos que ela recebe por ser extrema, como em uma famosa luta “No- ropes barbed wire match” (as cordas do ringue eram substituídas por arame-farpado) entre Sabu e Terry Funk (só podia ser), que levou a ECW ser proibida de publicar PPVs e que inclusive foi a última luta do tipo na ECW. O fato é que a ECW nunca mais será a mesma e nem pode ser. Mas também concordo que ela esteja sendo sub-utilizada, afinal a ECW é feita de paixão e isso precisa ser recuperado. A ECW necessita recuperar a sua fama de “Extrema”, de “um lugar para loucos”, precisa voltar a fama da violência desmedida. Claro que tudo de uma maneira mais amena, ou a coisa não funcionará de jeito nenhum. Menos cerveja, menos ferimentos graves, maior interação com o público e mais coisas impressionantes acontecendo. Segundo a minha opinião, duas coisas seriam necessárias para que a ECW deixasse de ser apenas o passo depois da OVW em uma carreira na WWE para se tornar uma Brand grande:

- Um bom draft, trazendo para a ECW pessoas que estejam dispostas a lutas mais arriscadas, pessoas que sejam talentosas e que estão sendo sub-utilizadas nos outros shows, como Super Crazy, Mark Henry, Big Show e Chuck Palumbo, e entregando para o SmackDown e RAW, superstars que não se identificam com o ambiente de fúria que a ECW precisa ter: Chavo Guerrero, The Miz e Morrison, CM Punk, Shelton Benjamin e Kofi Kingston. Manter lutadores como Mike Knox, Dreamer, Stevie Richards e Elijah Burke também é essencial.
- Todas as lutas serem disputadas nas regras antigas da ECW: Pinfall em qualquer lugar, sem desqualificação pelo uso de cadeiras e mesas.

Volto a dizer que não espero que as lutas voltem a ser tão violentas quanto antes, com tantos ferimentos e contusões sérias. Porém afirmo que a ECW precisa voltar a ter a atmosfera extrema, a atmosfera violenta. Assistir a ECW precisa ter uma emoção comparável a gladiadores em uma arena, a ECW precisa passar a idéia de que os seus lutadores fariam de tudo pelo título.
Todavia, a ECW pode nunca mais se tornar uma brand “grande”, mas seu legado será eterno. Encerro essa coluna com o nome dos lutadores que fizeram muito sucesso e que surgiram na ECW, sendo uma pequena homenagem a pequena federação da Philadelphia.

The Sandman, Sabu, Tommy Dreamer, Super Crazy, Rey Mysterio, Chris Jericho, Stone Cold Steve Austin, Mick Foley, Eddie Guerrero, Chris Benoit, Dudley Boyz, Tajiri, Stevie Richards, Rob Van Dam. Tazz. Joey Styles, Terry Funk, Paul Heyman.

Jack se impressiona até hoje com Sabu, Sandman e Dreamer, mesmo em DVD e acredita que a cadeirada de Balls Mahoney (com sua cadeira escrita “essa vai doer”) realmente doía.